O governo do presidente Lula (PT) deve editar nos próximos dias uma MP (medida provisória) para liberar até R$ 12 bilhões em crédito voltado à renegociação de dívidas do agronegócio com bancos — um dos setores mais influentes e atualmente mais críticos à gestão petista, segundo noticiou o jornal Folha de S. Paulo.
A iniciativa para apoiar o agronegócio, que será classificada como despesa de natureza financeira — e, portanto, ficará fora do alcance das regras do novo arcabouço fiscal e da meta de resultado primário —, não afeta diretamente o cumprimento das metas fiscais. Ainda assim, implicará em um aumento da dívida bruta do país e sinaliza um movimento estratégico do governo para desarmar uma crise maior no Congresso e mitigar o risco de novas pressões por subsídios ao setor.
A edição da MP surge como uma resposta articulada a uma série de pressões simultâneas. Por um lado, o setor agropecuário enfrenta alta inadimplência e retração no acesso a crédito, o que compromete os resultados de instituições financeiras, como o Banco do Brasil (BB), e alimenta descontentamento político em estados do agronegócio. Por outro, o governo tenta evitar a consolidação de uma derrota no Senado, onde projetos mais amplos de refinanciamento rural, como o de autoria do senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS), ganham fôlego.
Fontes envolvidas nas discussões afirmam que a MP se tornou o “plano B” do Executivo após o avanço de uma proposta aprovada em julho pela Câmara que previa R$ 30 bilhões em crédito subsidiado ao agronegócio. O Palácio do Planalto acreditava que conseguiria barrar o texto no Senado, mas o cenário político se deteriorou rapidamente.
Com União Brasil e PP desembarcando da base governista e demonstrando força de veto em votações recentes, como a que tratava de um espaço fiscal adicional de R$ 13,4 bilhões para 2026, cresceu o temor de uma nova derrota com impactos fiscais elevados e de difícil reversão.
Dívidas do agronegócio: MP ajuda o BB
Embora direcionada ao setor rural, a medida também tem efeitos diretos sobre os bancos, especialmente o Banco do Brasil — principal operador de crédito agrícola no país. Com a escalada da inadimplência, o BB viu seus lucros diminuírem no último trimestre, o que levou o governo a revisar para baixo a estimativa de receitas com dividendos.
A renegociação permitirá ao banco reverter parte das provisões para perdas, melhorando seu desempenho contábil. Isso pode, em um segundo momento, destravar o pagamento de dividendos maiores à União, que são contabilizados como receita primária e têm papel relevante na estratégia fiscal da equipe econômica.
Para a Fazenda, trata-se de um movimento que gera ganhos colaterais: evita a perda de controle sobre um projeto fiscalmente explosivo, dá suporte ao sistema financeiro, contém a insatisfação do agronegócio e ainda preserva a narrativa de responsabilidade fiscal em um ano politicamente sensível.
Aproximação estratégica
A medida também tem como pano de fundo uma tentativa de recompor pontes com o setor do agronegócio e com parte do Congresso. O projeto de R$ 30 bilhões aprovado em julho foi lido por aliados como uma reação ao veto presidencial ao aumento do número de deputados, além de uma resposta política à validação do aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) pelo STF (Supremo Tribunal Federal), em movimento que contrariou o Congresso.
Além disso, a negociação da MP foi conduzida com participação ativa de parlamentares da oposição, como o próprio senador Heinze. Em vídeo publicado nas redes sociais nesta semana, ele celebrou a medida como fruto de um acordo com o Ministério da Fazenda e o Banco do Brasil.
No arranjo divulgado por Heinze, os financiamentos terão um ano de carência e oito anos para pagamento. As taxas de juros variam de acordo com o porte do produtor:
- Pequenos produtores: até R$ 250 mil, com juros de 6% ao ano
- Médios produtores: até R$ 1,5 milhão, com 8% ao ano
- Grandes produtores: até R$ 3 milhões, com juros de 10% ao ano
O senador ainda afirmou que o montante inicial de R$ 12 bilhões poderá ser ampliado, conforme a demanda. “Esperamos que tenha necessidade de mais R$ 4 bilhões, R$ 5 bilhões ou R$ 6 bilhões no ano que vem”, disse ele.
Diálogo e vigilância fiscal
A MP em gestação tem sido descrita por integrantes do governo como um gesto político e uma solução tecnicamente defensável. Ao evitar um impacto fiscal imediato e, ao mesmo tempo, atender a um pleito de alto risco político, a medida cumpre múltiplas funções.
Técnicos envolvidos nas discussões afirmam que o arranjo foi pensado para manter o controle da narrativa fiscal. Ao utilizar uma despesa financeira, o governo consegue financiar a reestruturação das dívidas do agro sem estourar o arcabouço — algo que uma eventual aprovação do projeto de R$ 30 bilhões no Senado tornaria inevitável.
Além disso, a equipe econômica trabalha com o entendimento de que a medida poderá ser bem recebida pelo mercado, justamente por evitar soluções improvisadas ou mais onerosas no futuro.
Fonte: ICL Notícias